Jornal do Brasil
02/02/2009
RIO - Luz, câmera, ação! Atores, músicos, dramaturgos, poetas, artistas plásticos e políticos se espremem enquadrados no plano.
No roteiro, a fauna artística reunida abraça a polêmica, dá corda uns aos outros em discursos inflamados, dispara sacadas inteligentes, ácidas e nonsenses para todo lado e faz barulho, uma quizumba que transforma a cultura em zona temperada de discórdias.
Ao longo de 2008 foi assim e o primeiro alarme não poderia soar mais paradoxal. Apontou, sem pudor, megafones elétricos e carregados para cima da intimista e reservada bossa nova; aquela em que o silêncio de João Gilberto garantia espaço apenas para o escorregar dos dedos em cordas de nylon.
Posta a suavidade de lado, a organização do concerto Bossa Nova 50 anos realizado em fevereiro, na Praia de Ipanema, ganhou angulosos contornos em reportagens do Caderno B.
Coordenado por Roberto Menescal, o evento deixou de fora nomes como Os Cariocas, as cantoras Claudette Soares, Alaíde Costa e Miúcha, e Pery Ribeiro, autor da primeira gravação de Garota de Ipanema.
Dos 42 artistas sugeridos por Menescal, apenas 15 tiveram a honra de representar o gênero, entre eles Fernanda Takai e Maria Rita, intérpretes sem identificação histórica com a bossa.
– Faltou gente nessa festa. Alguns donos se apossaram e disseram: “Aqui ninguém entra”. Não vou dizer nomes, mas teve uma turminha que excluiu pessoas importantes – garante Cynara, do Quarteto em Cy, mostrando que até hoje o assunto é quente.
Contestada, Fernanda Takai rebateu as insatisfações e desabafou ao jornal:
– Eles não me conhecem. Só acho difícil alguém com tanto tempo de carreira falar algo do tipo.
Ela se referia ao ataque de Pery Ribeiro. “Quando soube que o show teria a participação da vocalista de uma banda de roquezinho, enquanto eu era excluído, me revoltei. Isso é um castigo! O que artistas como Emilio Santiago e Maria Rita, com todo o respeito à mãe dela, têm a ver com bossa nova?” - disparou.
Tanto Menescal quanto a diretora artística Solange Kafuri explicaram que não foi possível chamar todos os artistas significativos da bossa nova.
– Eu mesmo não fui convidado para um show em Londres, que tinha Wanda Sá, Carlos Lyra, João Donato e Marcos Valle. Os protestos são uma babaquice – rebateu Menescal.
Uma enxurrada de cartas, respostas e argumentos que envolveram patrocinadores e curadores seguiram adiante, assim como outras dezenas de batalhas polêmicas na área da cultura, durante todo o ano passado.
Barreto atacou pequenos festivais
Produtor de cinema criticou eventos menores como o de Dira Paes, em Belém. A atriz retrucou.
Poucos segmentos culturais se safaram de farpas e polêmicas durante 2008. Em outubro, o circuito de festivais e mostras de cinema foi questionado publicamente pelo cineasta Luiz Carlos Barreto, em artigo publicado na capa do Caderno B em que constavam frases como “400 festivais por ano não dá para aceitar”.
O diretor defendeu pontos como a classificação de eventos e adoção de critérios mais rigorosos de seleção para preencher as grades. E garantiu que haveria o risco de, em pouco tempo, ter que se organizar festivais de reprises por falta de produções.
Profissionais do setor foram ouvidos pelo Jornal do Brasil, entre eles Raquel Hallak, coordenadora das Mostras de Cinema de Ouro Preto (MG) e Tiradentes (MG), e da Mostra CineBH, e Alfredo Beritini, diretor do Cine-PE. O produtor cultural Adonis Karan e a atriz Dira Paes se manifestaram.
– Em nome de quais produtores ele está falando? Por que aumentar a produção se não temos onde exibir? – indagou Rachel.
Dira, produtora do Festival de Belém do Cinema Brasileiro, lamentou as críticas de Barreto:
– Ele não mora no Norte do Brasil. Uma declaração como essa é, no mínimo, uma segregação. O cinema brasileiro merece festivais de R$ 7 milhões porque é um grande cinema, mas deixar de dar verba para que festivais menores, de R$ 200 mil, é segregar uma política cultural.
“Com Minczuk não tocamos”
No mesmo mês, músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira se reuniram em assembléia que pôs o regente Roberto Minczuk na berlinda. Dizendo-se desgastados, 60 instrumentistas da OSB pediram seu afastamento e revelaram detalhes sem se identificar ao Jornal do Brasil, por medo de serem demitidos.
Dos 69 nomes da lista publicada no site da orquestra, 62 estiveram na reunião. Por voto secreto, 60 se manifestaram pelo afastamento do diretor e dois anularam o voto.
– Com Roberto Minczuk não tocamos mais – confirmou um músico.
– Um casal não se separa de uma hora para a outra, não estamos pedindo a saída dele por coisas que aconteceram ontem. É uma situação que se arrasta e é irreversível.
O desgaste, antigo, começou a se agravar em dezembro de 2006, quando 14 músicos foram demitidos na véspera do Natal. A insatisfação aumentou com uma proposta de acordo coletivo estabelecendo maior carga horária e regime de dedicação exclusiva. Nenhum músico poderia integrar outra orquestra.
Depois de muita especulação, Minczuk venceu a queda de braço e permaneceu à frente da OSB. O ator Pedro Cardoso também polemizou em outubro ao tomar a palavra na première do longa Todo mundo tem problemas sexuais, de Domingos Oliveira, no Festival do Rio para apresentar seu manifesto contra o excesso de nudez no cinema.
O discurso contra a pornografia “presente na quase totalidade da produção audiovisual mundial, e na brasileira especialmente; e como esta invasão está aviltando a profissão de ator e de atriz” gerou réplicas compiladas pela coluna de Heloisa Tolipan.
Os diretores Walter Lima Jr. (“Não estou entendendo a declaração esdrúxula. A discussão sobre nudez é antiqüíssima”) e Murilo Salles (“Acho um apriorismo superficial dele. O ator é um adulto, um profissional que lê o roteiro”) foram dois dos que alfinetaram.
As páginas do Caderno B noticiaram em junho outro caso controverso. O escritor Fernando Morais informou erroneamente – na página 565 da biografia O mago, sobre Paulo Coelho – que Celso Lafer viria a ocupar, em 2003, a cadeira de Alberto Venâncio na ABL.
A cadeira estava ocupada pelo próprio Venâncio.
– Preciso me penitenciar publicamente diante do professor Alberto Venâncio pela gafe imperdoável, fruto do estresse em que me encontrava àquela altura do livro. O mais grave é que sou reincidente nesse crime – brincou Morais.
O mago levantou algumas vozes descontentes na Academia Brasileira de Letras. O episódio que retrata a ascensão de Coelho à cadeira número 21 da casa de Machado de Assis foi questionado por dois imortais citados no livro, o ex-ministro Celso Lafer e o sociólogo e escritor Hélio Jaguaribe – apontados como supostos conspiradores contra a candidatura.
Lafer concedeu entrevista ao Jornal do Brasil:
– O capítulo 28 do livro é fatualmente incorreto. A verdade é o chão em que pisamos no inter-relacionamento humano. Não é uma questão de opinião, como ensina Hannah Arendt. O papel do biógrafo é contar o que aconteceu. Não é o de fabular.
Jandira surpreende duas vezes
Novembro reservou a surpresa do anúncio da médica Jandira Feghali para o cargo de secretária das Culturas na gestão do prefeito eleito Eduardo Paes. Contudo, outro fato ainda mais inesperado estava por vir: o Caderno B procurou artistas e produtores para fazerem perguntas àquela que vai ditar a política cultural do município, enviou os questionamentos e não obteve qualquer resposta.
Depois da negativa, os participantes foram convidados a responderem às próprias questões.
Foi o caso de Bianca de Felippes, diretora da Associação de Produtores Teatrais do Rio, que indagou:
- O que pensa sobre o problema da meia-entrada e da enorme quantidade de carteiras sem controle?
Diante do silêncio de Jandira, emendou:
– A secretária precisa falar a mesma linguagem das pessoas que se dedicam a fazer cultura no Rio. Ela já declarou que, na questão da meia-entrada, gostaria que a emissão de carteiras voltasse para as mãos da UNE e da Ubes exclusivamente. Isso não resolve a questão.
O pedido de demissão de Celso Frateschi, então presidente da Funarte, também foi acompanhado de polêmicas. A saída do ator do cargo depois de ser acusado pela imprensa de favorecer seu próprio grupo rendeu artigo assinado pelo produtor teatral Eduardo Barata e réplica de Frateschi publicada no Caderno B.
– Durante minha gestão na presidência da Funarte, cumpri todas as determinações do Conselho de Ética e, entre essas, afastei-me, de fato e formalmente, de todos os compromissos anteriores – defendeu-se.
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
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