quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

JB OnLine
Macksen Luiz, Jornal do Brasil
26/02/2009

RIO - A produção musical de Chico Buarque de Hollanda, com sua riqueza poética e abrangência criadora, é extremamente atraente para que seja adaptada a outras expressões fora das pautas sonoras. Para além de sua dramaturgia, o autor de Roda viva tem sido pretexto para que suas canções e alguns dos personagens de sua lírica alcancem a dimensão cênica, como se pretendessem afirmar-lhes autonomia teatral.
Até agora a projeção no palco da musicografia de Chico só confirma a sua prevalência poético-musical sob quaisquer tentativas de enquadrá-la na linguagem dramática. Com Meu caro amigo, em cartaz no Centro Cultural dos Correios, não é muito diferente. Em mais esta investida, o roteirista Felipe Barenco procura criar narrativa tendo as canções como ilustração. A história da garota apaixonada pelo galã, papel que investe, a princípio, no compositor, para depois se derramar por sua obra musical, corre paralela a mudanças etárias e emocionais e aos acontecimentos políticos e sociais do país. Das composições seria retirado o pretexto para os fatos que representariam cada um deles, no âmbito individual e nacional, marcando, deste modo, a dupla vivência da personagem do monólogo.
O autor, porém, se revela pouco experiente na função de estabelecer uma real dramaturgia partir do roteiro musical. Nem sempre consegue dar veracidade a uma personagem mais fixada na idolatria do que propriamente na admiração. A integração e os desdobramentos das épocas com cada uma das músicas se transformam numa correlação mecânica. Ingênua a maior parte do tempo, frágil como concepção e instável como narrativa, Meu caro amigo reforça a constatação de que a música de Chico Buarque tem qualidades intrínsecas que até agora se mostra impermeável a meios que não conseguem acomodá-la a outros parâmetros expressivos.
A diretora Joana Lebreiro demonstra maior preocupação em movimentar a atriz pelo palco do que em vencer o esquematismo do texto. Sobrepõe as gravações originais de Chico à voz da atriz, o que resulta em mais um elemento que fragiliza a sua encenação. O cenário de Ney Madeira se mostra pouco inventivo e a luz de Paulo César Medeiros acompanha a excessiva movimentação da intérprete.
Kelzy Ecard em 'Meu caro amigo'
A destacar, a direção musical de Marcelo Alonso Neves e o acompanhamento ao piano de João Bethencourt. Mas a presença de Kelzy Ecard numa montagem tão cheia de arestas confirma as qualidades da intérprete. Ainda que seja uma cantora de recursos não muito extensos, Kelzy compensa essa restrição com atuação em que dosa a emoção com humor e dribla algumas armadilhas do texto e da montagem que poderiam comprometer a sua inegável disponibilidade em cena.

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