segunda-feira, 18 de maio de 2009

Dança e Cidadania

Correio Braziliense
18/05/2009

Cidadania na pista de dança

Jovens de 13 a 18 anos aprendem gratuitamente ritmos como salsa, samba de gafieira e break, além de lições de responsabilidade e respeito que lhes serão caras para o resto da vida. Projeto ainda tem vagas 

Izabel Toscano

Fotos: Bruno Peres/CB/D.A Press - 4/5/09
Alexandre, Ycleda, Jozzi Quezzi e Gustavo, com outros casais ao fundo: aprendizado sem preconceito

As aulas são ministradas duas vezes por semana e têm duração de duas horas: a turma se descobre no salão
 
Em um país onde as diferenças se cruzam em cada esquina, a dança mudou a visão de mundo daqueles que ainda se construíam como cidadãos. Depois que um projeto chegou às salas de aula das escolas públicas, crianças e adolescentes carentes criaram rumos, mudaram hábitos e encontraram nos passos marcados motivos para se afastar de um mundo sem perspectivas. Não foi no Brasil que isso ocorreu. Era 1994, em Nova York, nos Estados Unidos. A história real, na qual a dança reinventou vidas, transformou-se em documentário premiado e exemplo para o resto da nação. Aqui, na capital federal, uma semente parecida está sendo plantada. 

Em uma sala de aula pequena de uma academia de dança da Asa Norte, as tarde das segundas e quartas-feiras são reservadas a garotos e garotas. Eles chegam de todos os lados: Ceilândia, São Sebastião, Paranoá, Plano Piloto, Lago Sul. Aprendem forró, salsa, zouk (uma espécie de lambada caribenha), samba de gafieira, bolero carioca, street dance e break. De graça. 

Mais: ocupam o tempo ocioso, saem das ruas, aprendem a respeitar uns aos outros, a ter responsabilidade, confiança e a organizar eventos. E voltam para casa da forma como quiserem: como alunos, dançarinos de companhias ou professores. Mas é fato: todos saem mais atentos, mais disciplinados, mais cidadãos. Professores e ex-alunos garantem. 

O projeto Núcleo de Dança e Cidadania é um sonho realizado do professor João Carlos Corrêa, 46 anos, que quis colocar em prática o lado social da dança. Hoje, a iniciativa conta com 30 alunos — com idades entre 13 e 18 anos — e ainda pode receber mais 50. As inscrições para novas turmas continuam abertas e se destinam preferencialmente (embora não de forma exclusiva) a jovens de escolas públicas do DF. 

Eventos 
Por um ano, os alunos aprenderão os vários ritmos de dança e a arte de ensiná-los, além de ganhar noções de cidadania, respeito e responsabilidade. “Utilizamos a dança como instrumento para trabalhar a cidadania. Realizamos, de 15 em 15 dias, dinâmicas de grupo sobre respeito e responsabilidade. Além disso, os estudantes têm que organizar um evento por mês, o que os força a trabalhar a organização e o profissionalismo. Os jovens precisam ser escutados para que então possamos norteá-los”, disse a educadora e coordenadora do núcleo, Adriana Marla, 37 anos. 

A princípio, muitos jovens se matriculam com a intenção de ocupar o tempo livre depois das aulas. Mas a maioria se descobre no salão. Esta é a segunda edição do projeto — o curso atual começou em abril deste ano. “Em Brasília falta professor de dança. Comecei capacitando pessoas até que cheguei onde eu queria: ao lado social”, conta João Carlos. Em 2004, ele iniciou as aulas e logo percebeu uma revolução na vida dos alunos. “Os meninos se emocionavam, melhoravam nos estudos, na relação com os pais. E muitos conseguiram um ofício, uma forma de sobreviver e ser feliz”, conta ele, que é coordenador-geral do projeto. O trabalho recebe apoio do Ministério do Esporte, que custeia a remuneração de R$ 300 dos instrutores. 

Da primeira edição, saíram oito instrutores. Alguns são responsáveis por ensinar os jovens, ao lado de professores renomados. Até ex-alunos voltaram para aprimorar o aprendizado. Caso de Ycleda de Oliveira, 22 anos. “Na primeira vez, eu vim porque gostava de dançar. Agora, vim para me profissionalizar e aprender a ensinar”, disse a moradora do Setor P Sul, em Ceilândia. “Eu e minha mãe estamos desempregadas. Mas sempre dou um jeito de vir às aulas, a dança mexe com o nosso lado humano, você aprende a respeitar os limites do outro e a quebrar preconceitos, a ver que é lindo dançar junto”, ensina a garota formada em turismo. 

O estudante do 3º ano do ensino fundamental Alexandre Ribeiro, 18, também é veterano. Morador do Lago Sul, chegou ao projeto depois que o avisaram na escola. Ele tinha 16 anos à época. “Aprendi a conviver com as pessoas. Eu não falava nada nas reuniões, era muito tímido, hoje sou outra pessoa. Todas as oportunidades que tive, pessoas que conheço são graças ao projeto. Nem lembro de minha vida antes dele, não sei o que estaria fazendo se não tivesse conhecido a dança”, conta ele, que se tornou monitor e depois integrou companhias de dança do DF. 

Novatos 
Gustavo Ribeiro, 16 anos, segue o exemplo dos veteranos. “Eu vi a oportunidade e vim.” O menino também não tinha o que fazer depois das aulas. À tarde, ficava em casa: uma quitinete na Asa Norte que divide com a mãe, dois irmãos, a avó e o tio. “O dinheiro não dá para eu fazer cursos pagos. Se não fosse o projeto eu estaria à toa”, comentou. 

O menino nunca pensou em dançar. Chegou às aulas para acompanhar uma colega. “Mas sempre achei bonito meninos dançando e, como não sei, quero aprender. Também não tenho preconceito”, diz ele que já se esforça para dar os primeiros passos depois de chegar atrasado à aula da última segunda-feira. “Cheguei às 14h40 e o professor disse: 14h40 não são 14h30”. 

É que ali os ensinamentos começam cedo. “O horário é rígido. Precisamos desde o início mostrar que dançarino não é malandro. É responsável e profissional”, explica João Carlos. “Quero sair daqui sabendo dançar, com mais responsabilidade e com mais amigos”, acrescenta Gustavo. 

A colega de aula Jozzi Quezzie de Sousa Jordão, 16, quer ser profissional. Uma hora dentro do ônibus e ela desembarca na 712 Norte vinda de São Sebastião. A mãe apoia, o pai nem tanto. “Quero viver da dança. Mas meu pai acha que não dá futuro. Eu vou provar que dá graças a essa oportunidade que estou tendo. Já fiz aulas em outros lugares, mas aqui tem conversa com os professores, temos apoio, qualquer pessoa vai sair daqui melhor.”


PARA SABER MAIS
Passos em prol da inclusão social

O documentário Vamos todos dançar?, de Marilyn Agrelo, mostra que, em 1994, Pierre Dulaine, professor de dança de salão e conhecido ganhador de competições da modalidade, reuniu alguns instrutores e começou a dar aulas gratuitamente em duas escolas públicas de Nova York (EUA). Em 2004, já eram 60 instituições das regiões mais pobres e violentas da cidade com a matéria no currículo. Ao fim do curso, os estabelecimentos escolhiam cinco pares de alunos para um grande concurso. O documentário acompanhou, do início das aulas até o fim do campeonato, a trajetória de alunos com média de 11 anos que superaram problemas sociais e encontraram na dança um meio de se inserir na sociedade. Em 2006, a mesma história, embora mais romanceada, foi contada no filme Vem dançar, estrelado por Antonio Banderas. 

PARTICIPE 
  • Núcleo de Dança e Cidadania 
    Aulas gratuitas de dança de salão para garotos e garotas de 13 a 18 anos — destinado preferencialmente a alunos de escolas públicas do Distrito Federal. Às segundas e quartas-feiras, das 14h30 às 16h30. Ainda há 50 vagas. Uma nova turma está prevista para abrir às terças e quintas-feiras, no mesmo horário da primeira. 

    Local: Academia Estilo e Dança, na W3 Norte, Quadra 712, Bloco C, Sobreloja 32 

    Contato: 3445-3287 



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    Editor: Marcelo Tokarski // marcelotokarski.df@diariosassociados.com.br
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