SYLVIA COLOMBO
da Folha de S.Paulo
05/05/2009
O tango, para o veterano Carlos Lázzari: "Em três minutos, ele faz com que você veja...", meneia a cabeça e levanta os olhos, sugerindo que, nesse lapso, se encerra toda a tragédia humana. Já para Carlos García (1914-06), outro grande mestre: "Se, ao ouvir um tango bem tocado, você não sentir um estremecimento no peito, vá gastar seu tempo com outra coisa".
Ambos os depoimentos estão no bem-sucedido documentário "Café de los Maestros" (2008), que, por meio de emotivos relatos como esses e um passeio pelos principais momentos da história do gênero, fez boas bilheterias tanto na Argentina como por aqui.
Divulgação
Integrantes do Bajofondo Tango Club, de Gustavo Santaolalla, que faz show no Via Funchal, em São Paulo, nesta quinta-feira (7)
Agora, essas vozes e instrumentos, que pareciam relegados ao ostracismo, vão ganhar uma turnê por seis capitais brasileiras.
E, apesar de já não contar com quatro integrantes, que morreram, o grupo de cantores, bandeonistas e maestros desembarca aqui a todo vapor, antes de rumar para shows na Europa no segundo semestre.
Nesta semana, Gustavo Santaolalla, 57, o mesmo homem por trás desse projeto nostálgico, estará em São Paulo, comandando o Bajofondo, banda que trouxe o tango daquela era dourada até o século 21, incorporando estilos atuais e transformando-o em hit comercial contemporâneo --a faixa "Pa' Bailar" virou até tema da novela das oito global "A Favorita".
O grupo apresenta, na quinta-feira, no Via Funchal, seu mais recente disco, "Mar Dulce" (2007), em fase final da turnê que terá ponto alto no próximo dia 24 de maio, em Buenos Aires, abrindo as comemorações da Revolução de Maio, que iniciou o processo de independência do país, em 1810.
Será um show gratuito para milhares de pessoas, no famoso Obelisco, na capital portenha.
"Queremos que fique como uma celebração desse trabalho que buscou mais do que traçar as fronteiras do tango, alargá-las. O que fazemos é música moderna do Rio da Prata. O tango está ali, mas também tudo o que vivemos e de que gostamos desde então, dos Beatles aos Arctic Monkeys", diz Santaolalla, em entrevista à Folha, por telefone, de Los Angeles.
Um dos segredos do sucesso de "Mar Dulce" é o time de convidados, como Elvis Costello, Nelly Furtado e outros.
Nos shows, obviamente, não é possível trazê-los na bagagem. "Creio que encontramos um bom jeito de substituí-los. Acrescentamos mais energia e efeitos de improviso. O disco virou uma outra coisa quando tocado ao vivo", explica.
Se parece confiante com relação ao Bajofondo, Santaolalla não esconde que o projeto do Café de los Maestros o deixou tenso por algum tempo.
"Há uma certa tradição negativa com relação a documentários sobre tango na Argentina. Eles costumam ser malsucedidos, não sei porquê. No nosso caso, fizemos as coisas com bastante cuidado e por isso demorou tanto. Hoje me sinto muito feliz com o resultado."
Estereótipos
Santaolalla está longe de limitar seu trabalho às fronteiras platinas. Com estúdio montado em Los Angeles, onde passa a maior parte do ano, divide seu tempo também dedicando-se à produção de artistas pop latino-americanos (o colombiano Juanes e a mexicana Julieta Venegas, entre outros) e fazendo trilhas sonoras de filmes.
Ganhou dois Oscars, pelas trilhas de "Babel" (Alejandro Iñarrítu) e "O Segredo de Brokeback Mountain" (Ang Lee). Também fez a de "Diários de Motocicleta", de Walter Salles _que ajudou a produzir o "Café" e com quem, ainda, trabalha em uma versão cinematográfica de "On the Road", ainda sem data de filmagem definida.
Santaolalla vê seu trabalho dentro de um contexto de transformação de estereótipos da América Latina. "Os EUA principalmente, mas também a Europa, tinham ideia de que os latinos eram um bando de mariachis ou de que tudo o que fazemos aqui é folclórico ou exótico. Vejo uma geração que confronta isso. Gente de vários países que tem oferecido diferentes perspectivas para o que se faz aqui." Exemplos, enumera: ele mesmo, o parceiro brasileiro Salles, a cantora Marisa Monte, os mexicanos Gael Garcia Bernal e Alejandro Iñárritu.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário