PEDRO CIRNE
colaboração para a Folha de S.Paulo
Data: 06/01/2009
No próximo sábado (10), um dos mais importantes personagens dos quadrinhos europeus fará aniversário: são 80 anos desde que Tintim, já com seu indefectível topete e seu cão Milu, estreou no jornal belga "Le Vingtième Siècle".
Desde então, foram 24 aventuras bem-humoradas, que envolvem mistérios, tiranos e até fenômenos inexplicáveis em lugares que vão do Congo ao Tibete, passando pela Lua.
E, pela primeira vez, duas importantes obras do personagem são publicadas no Brasil: "As Aventuras de Tintim Repórter do "Petit Vingtième" no País dos Sovietes" (sua estreia) e "Tintim e a Alfa-Arte", sua última --e incompleta-- história.
As duas edições, somadas aos lançamentos de "Tintim e os Pícaros" (ambientada na América do Sul) e "Vôo 714 para Sydney" (no sudeste asiático), encerram a coleção da Companhia das Letras que trouxe ao país, pela primeira vez, a série completa do belga Hergé.
Para Thyago Nogueira, editor dessa coleção, uma das principais qualidades da série é a contextualização das histórias. "A pesquisa, que era uma preocupação forte do Hergé, de levar o Tintim a países diferentes, é uma característica que se manteve e foi se aperfeiçoando", diz Nogueira.
Enquanto "Tintim e os Pícaros" e "Vôo 714 para Sydney" trazem histórias que se encaixam nessa descrição, as outras duas são curiosas exceções à trajetória do personagem.
"Não são histórias como todas as outras", diz Nogueira. "O "País dos Sovietes" é um desenho um pouco menos acabado do que ele fez depois. E "Alfa-Arte" é uma história inacabada... São os bastidores de uma história do Hergé."
Embrião da série
"País dos Sovietes" começou a ser publicada quando Hergé tinha apenas 21 anos. O álbum é um embrião do que viria a ser a série. Tintim ainda atua acompanhado apenas pelo cachorro Milu --seu ótimo e divertido rol de coadjuvantes (o capitão Haddock, o professor Girassol, a cantora Bianca Castafiore, os policiais Dupond e Dupont, o vilão Rastapopoulos) ainda não havia sido criado.
O roteiro de "País dos Sovietes" também é diferente. Primeiro, por ser inocente. Eram outros tempos (final dos anos 20), mas é curioso ver o personagem assustar alguns inimigos apenas vestindo um lençol com furos para os olhos e se fazendo passar por um fantasma.
Além disso, Tintim, que viria a ser um exemplo de bom moço, toma atitudes que mais tarde seriam impensáveis, como agredir um policial ou roubar um barco ou um carro.
O roteiro dessa primeira história é um panfleto anticomunista --o "Vingtième Siècle" era editado por um admirador de Mussolini. Na trama, o repórter Tintim viaja à União Soviética para ver o que "de fato" acontece por lá. O que ele "descobre" são fábricas de fachada, com as quais "os sovietes tapeiam os coitados que ainda acreditam no "paraíso vermelho'", no dizer do próprio personagem. O país que Tintim encontra é violento, corrupto e tira trigo da população pobre e faminta para fazer propaganda da nação soviética no exterior.
A última aventura
Hergé morreu em 1983, antes de concluir "Tintim e a Alfa-Arte", que seria a 24ª aventura do repórter. Esta edição que chega ao Brasil apresenta o texto em prosa, ao lado dos rascunhos para cada página que já havia sido roteirizada.
Assim, a leitura não flui tão bem como se já estivesse finalizada. Perde-se a graça de algumas gags visuais de Hergé. Por outro lado, é uma aula de como fazer histórias em quadrinhos: é possível ver como o quadrinista pensava, com traços bem simples, como resolveria a diagramação de seu enredo dentro de cada página.
Além disso, há no final da edição esboços e anotações que poderiam ter sido usadas até o final da história --por exemplo, a identidade real do vilão (a história aborda um caso de falsificação de obras de arte). É curioso, pois estão registradas até as dúvidas do próprio Hergé: "Tintim (...) só será salvo graças a... Milu? Haddock? Ao professor? A...?".
O leitor fica sem saber, mas não importa. "Tintim e a Alfa-Arte" é uma espécie de making of de uma história em quadrinhos sofisticada, cuja criatividade de seu artista faz dela, ainda hoje, um dos maiores marcos das HQs da Europa.
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