sábado, 18 de abril de 2009

"Penso em fazer mais um livro e calar-me", diz António Lobo Antunes

FABRICIO VIEIRA
Da Folha de S.Paulo
18/04/2009

Aos 66 anos, o escritor português António Lobo Antunes comemora três décadas de estreia no mundo literário. Foram 20 romances, prêmios e a consolidação de uma reputação de difícil e genial. Após acabar sua 21º obra, a ser publicada no segundo semestre, Antunes começa a considerar a aposentadoria. "Estava a pensar em fazer apenas mais um livro e depois calar-me", afirmou. O autor vem à Festa Literária Internacional de Parati, em julho.

De Lisboa, falou com a Folha, por telefone. Leia trechos da entrevista:
Héctor Guerrero/Reuters
O português António Lobo Antunes vem à Festa Literária Internacional de Parati
Folha - Há quantos anos o sr. não visitava o país?
António Lobo Antunes - A última vez que estive no Brasil foi em 1983. Eu tento não viajar muito, tenho de escrever. Convidam você porque escreve, mas, se começa a aceitar os convites, não tem tempo para escrever. O Brasil é uma questão pessoal para mim, meu sangue vem todo daí. Meu avô nasceu em Belém do Pará. Agora retorno para participar da Flip, onde não sei o que me espera, e depois provavelmente passarei em São Paulo, mas isso dependerá dos planos da editora, que ainda não sei ao certo quais são.
Folha - Vir aqui ajuda a aproximar os leitores brasileiros de sua obra?
Lobo Antunes - Não estou muito preocupado com a promoção da minha obra. Não sou caixeiro viajante, isso não me interessa. Quero ver os amigos que aí tenho, alguns familiares.
Folha - Muitos livros seus permanecem inéditos aqui. Por quê? Seu primeiro livro, "Memória de Elefante" (1979), ganhou uma edição nacional há apenas poucos anos...
Lobo Antunes - Eu não deixava publicar esse primeiro livro por aí. Nesse caso, a culpa não é do Brasil, a culpa é minha porque era um primeiro livro, eu nunca o tinha relido e parecia-me estar muito confiante dos defeitos dele. Depois fui ler o livro e até gostei, mas é escrito por outra pessoa, minha ideia do que é um livro agora é muito diferente do que era naquele tempo.
Folha - E depois de 20 livros há medo de começar a se repetir?
Lobo Antunes - Claro que tenho medo. Não sei se tenho ainda muito ou pouco a criar, mas estava a pensar em fazer apenas mais um livro e depois calar-me. Não há nada mais terrível do que ver a decadência de um bom escritor. Olha os últimos romances do Faulkner ou os últimos contos de Hemingway.
Folha - E o livro que terminou há pouco? Há previsão de publicação?
Lobo Antunes - Esse novo livro em outubro deve estar a sair aqui em Portugal. No Brasil não sei, não depende de mim. Escrevi esse livro por causa do título, algo que não costuma ocorrer. Eu estava ouvindo modas, que são canções de camponeses. Era uma moda do século 19, de camponeses analfabetos que nunca viram o mar. E seus dois primeiros versos são: "Que cavalos são aqueles/que fazem sombra no mar?" E esses dois versos ficaram em mim, impressionaram-me mesmo, foram o clique que fez o livro começar a sair. Achei esses versos espantosos e viraram o título.
Folha - De que trata esse livro?
Lobo Antunes - Não gosto de falar dos livros, não é possível falar deles. Se pudesse resumir um livro em cinco minutos, para que escrevê-lo? O que me interessa é que as páginas sejam espelhos em que a gente se veja, é meter a vida inteira entre as capas de um livro.
Folha - Acompanha o que tem sido feito atualmente na literatura?
Lobo Antunes - Não conheço muito do que está sendo feito, mas não vejo na nossa língua grandes escritores atualmente.
Folha - Nem em Portugal?
Lobo Antunes - Em Portugal tem eu (risos). Já chega, não? Agora falando sério, embora o que eu disse seja verdade (risos). No século 19, a gente tinha 30 gênios escrevendo ao mesmo tempo, em França, Alemanha, Rússia. Agora, se descobrir cinco grandes escritores no mundo inteiro já está muito bom. Não há, é dramático.
Folha - Muitos consideram os seus livros experimentais, difíceis...
Lobo Antunes - Fico espantado em ouvir isso. Os livros para mim são tão claros! Não compreendo as pessoas que digam isso, penso que tem a ver com hábitos de leitura. Fazemos um trabalho completamente impossível que é o de tentar transformar em palavras coisas que são anteriores às palavras, pulsões, emoções. Difíceis eu não acho. Eu me lembro de aos 20 anos ver os filmes do Bergman e me chatearem pra burro. Agora me comovem até as lágrimas: era eu que não estava preparado para o Bergman.

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