sexta-feira, 6 de março de 2009

Trompetista Barrosinho deixa obra para o futuro

JB OnLine
Leandro Souto Maior e Ricardo Schott, Jornal do Brasil

06/03/2009

RIO - Pairam, silenciosos, no estúdio do músico e produtor Carlos Pontual, em Botafogo, temas instrumentais inéditos do trompetista José Carlos Barroso, o Barrosinho, ou apenas Barroso. O instrumentista, nascido em Campos e radicado no Rio, morreu na madrugada desta quinta-feira, aos 65 anos, no Hospital Pedro Ernesto, em Vila Isabel, de falência múltipla dos órgãos. Deixou para o futuro um intrincado álbum que reúne elementos da música eletrônica no samba. Pontual falou com o amigo há uma semana pela última vez para tratar do andamento da obra. Hoje, com o baque da morte, não sabe que destino dar às gravações.
– Ele estava ansioso para terminar este próximo trabalho. Queria algo radical, com efeitos – conta o parceiro.
Barrosinho era um outsider convicto. Cofundador da seminal Banda Black Rio nos anos 70 e criador do maracatamba (uma mistura do maracatu com o samba), era dono de um timbre particular – e, muito por isso, recusava-se a acompanhar artistas de vulto. Da mesma escola de Miles Davis, seu toque sem vibrato difere da maioria dos trompetistas que geralmente vem da escola da gafieira, com uma pegada mais rasgada.
– Barrosinho fazia um lance muito difícil de tirar do instrumento, um som mais velado. Era a marca dele. Como acontece com todo mestre do jazz, você ouve e diz: “É o cara” – define um entristecido Pontual.
Músicos que tocaram com Barrosinho lembram que uma de suas marcas registradas era tirar do trompete o som de um flugelhorn (instrumento de sopro da família do trompete, de sonoridade mais suave).
– Isso pode ser ouvido em temas como Espírito Santo, do CD O sopro do espírito (1998) – recorda Atila Valverde, baixista que o acompanhou Barroso em seus últimos shows, boa parte em quiosques da Lagoa. – Eu perguntava por que ele não usava logo o flugel e ele sempre dava uma risada malandra, dizendo que poderia fazer isso com o trompete mesmo.
Valverde recorda a fusão de ritmos pioneira do amigo.
– Nos discos dele, cada instrumento é uma seção rítmica independente, que faz sua interpretação de maneira diferente. Barrosinho é incomparável.
Músico de Tim e Raul
Nos últimos anos, Barrosinho morava numa casa em Xerém, distrito de Duque de Caxias. Lançara o disco Praça dos músicos em 2008, badalado com shows na Sala Cecília Meireles e na loja Modern Sound, em Copacabana. Não era casado e não tinha filhos. Há um mês, quebrou a perna numa queda de bicicleta e foi infectado por um parasita ao caminhar sob uma poça de lama. Sem condições para ser internado num hospital particular, parou em unidades públicas.
– Barrosinho tocou e gravou com grandes músicos, como Tim Maia, Raul Seixas e João Bosco, mas, desde o início dos anos 90, conscientemente, interrompeu a vida de músico contratado, apesar de continuar sendo requisitado para shows e gravações – confirma Pontual, acrescentando que o trompetista se recusava radicalmente a fazer qualquer tipo de concessão. – Não gostava de recordar os tempos da Banda Black Rio, tanto que não quis voltar quando o grupo foi reformulado. Vivia de dar aulas e de seus shows solo. Sua busca por uma integridade musical teve um preço: morava muito mal e com pouco dinheiro.
O soulman Carlos Dafé, que contou com Barrosinho em sua estreia solo, diz que o músico tinha uma birra com cantores.
– Chamava todo mundo de canário, não gostava de ficar acompanhando ninguém. Ele me aceitava porque dizia que eu era um canário diferente, que sabia tocar e harmonizar – lembra Dafé.
Barrosinho era apontado também como um mentor de novos talentos.
– Ele era atento à galera nova. Se gostasse de alguém, apadrinhava. Fui um dos caras que participaram dessa vibe com ele – conta o baixista Arthur Maia, que tocou ao lado do trompetista numa das últimas encarnações da Banda Black Rio, nos anos 80.

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