sexta-feira, 6 de março de 2009

Nove espetáculos cariocas chegam a São Paulo neste mês

LUCAS NEVES
da Folha de S.Paulo
06/03/2009

Pode ser só uma fuga em massa da cantoria esganiçada de Florence Foster Jenkins, a pouco talentosa soprano que Marília Pêra vive na comédia musical "Gloriosa", grande sucesso desta temporada de verão no teatro carioca. Mas o fato é que, nas três primeiras semanas de março, nove elencos do Rio desembarcam em São Paulo, espetáculos na bagagem.
Guga Millet/Divulgação
Pablo Sanábio em "Dois Irmãos (Due Fratelli)", de Fausto Paravidino

A "invasão" começou ontem, com o triângulo amoroso inusitado de "Dois Irmãos (Due Fratelli)" e a reestreia do musical "Sassaricando - E o Rio Inventou a Marchinha", um passeio pelo que se fez de melhor no gênero entre 1920 e 1970.
Hoje, dois monólogos reforçam a comitiva: "Homemúsica", no qual Michel Melamed encarna um jovem que emite sons de instrumentos ao menor gesto, e "Ele Precisa Começar", em que Felipe Rocha propõe um jogo metalinguístico sobre a escrita de uma peça.
Dois solos femininos juntam-se ao grupo na semana que vem: "A Alma Imoral", com Clarice Niskier, e "A Mulher que Escreveu a Bíblia", com Inez Viana (este, com sessões só abertas a universitários).
A "grife" de musicais Claudio Botelho/Charles Möeller traz "Beatles num Céu de Diamantes" (dia 13) e "A Noviça Rebelde" (20). Completa a delegação carioca um elogiado "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (19).

Vigor
O pacote teatral carioca que São Paulo desembrulha neste mês tem sucessos do dito segmento comercial (por exemplo, "A Noviça Rebelde" vista por 190 mil pessoas), mas também trabalhos que atestam a efervescência da cena alternativa.
Tome o exemplo de Felipe Rocha, 37. Em 21 de outubro de 2007, a turnê da peça em que ele atuava, "Gaivota", passava por Toulouse, na França, quando, sozinho num quarto de hotel, laptop no colo, o ator decidiu "experimentar essa coisa de ter um discurso". Até que uma camareira bateu à porta.
Tudo isso --a data precisa, o hotel, o laptop, a camareira-- virou dramaturgia em "Ele Precisa Começar", seu primeiro texto. Em cena, o jorro de ideias e hesitações de um autor divide espaço com intervenções de seu personagem, que ameaça tomar as rédeas da história:
Arte /Folha online
"Não tinha intenção de chegar a nenhum lugar incrível. Queria ver se o desejo de expressão é um assunto por si só".
Na mesma linha de fluxo de consciência se insere "Homemúsica", de Michel Melamed, 35, que volta a São Paulo, depois de passagem-relâmpago em 2007.
Com a história do sujeito que carrega no corpo uma orquestra, ele mira "a questão da negligência em um país tão cheio de qualidades, esse quase fascismo das dezenas de máfias, da corrupção desenfreada acompanhado de um certo cinismo das pessoas".
O tom, entretanto, é mais sereno do que o de "Regurgitofagia" e "Dinheiro Grátis", os dois primeiros títulos de sua "Trilogia Brasileira", em que vociferava contra o excesso de estímulos da cultura de massa e a mercantilização de tudo quanto há.
"A crítica continua lá, mas agora me sinto muito tocado pela delicadeza, pelo belo", afirma Melamed.
Delicadeza que passa longe do triângulo amoroso de "Dois Irmãos (Due Fratelli)", de Fausto Paravidino, em que o par do título finge desprezar, mas na verdade disputa Erica, a colega de apartamento.
Tudo se passa sobre uma mesa-instalação, na qual o elenco ficou "exposto" durante a temporada carioca (em períodos em que a peça não estava sendo encenada), convidando pessoas que passavam pela rua.
"Hoje, no Rio, há muitos espetáculos que exploram essa interseção entre ator e personagem, buscando desvelar as camadas de naturalismo", comenta a atriz Ana Lima.

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