Luiz Felipe Reis, JB Online
17/03/2009
RIO - Assim que grudou seus olhos no livro Por um fio, lançado em 2002 pelo médico e escritor Drauzio Varella, lágrimas de amadurecimento brotaram dos olhos do diretor Moacir Chaves. Encantado com o que lia, não tardou a comprar os direitos para a encenação da história, que narra a convivência diária de um oncologista com seus pacientes acometidos de câncer e tem o tempo como protagonista. Com estreia marcada para a próxima segunda-feira, no Festival de Curitiba, que celebra sua 18ª edição a partir desta terça, ele espera que a apresentação sirva como teste para o objetivo de estabelecer com o público uma reflexão instantânea sobre o tema.
– É um espetáculo comunicativo e emocionante – define Chaves, que planeja trazer a peça ao Rio no segundo semestre. – Mas os sentimentos transbordados são instrumentos de prazer, não de sofrimento. As pessoas riem e choram muito. E posso assegurar que não são lágrimas de tristeza, mas, sim, de amadurecimento.
Construída a partir de depoimentos colhidos durante cerca de 20 anos, a montagem de Chaves incumbe ao tempo a tarefa de fio condutor entre o texto e o seu tema central: a discussão da mortalidade.
– Assim que terminei o livro, fiquei remoendo a questão do tempo – diz. – Fiquei tocado porque o Drauzio relata com sensibilidade e rigor literário trajetórias de vida que se transformaram radicalmente a partir dessa reavaliação temporal frente à morte. O aspecto central do texto, e o que proponho para minha montagem, é discutir a relação do tempo com o nosso viver.
Como aproveitamos o tempo e a nossa vida? Como viver e desfrutá-la durante esse prazo, incógnito, que nos é concedido? Com esses questionamentos, autor e diretor tencionam despertar, no leitor ou espectador, um olhar diferenciado acerca da temporalidade.
– Nosso olhar se modifica quando tomamos ciência de que somos mortais, que iremos todos morrer e pode ser que seja cedo, ou que estejamos à beira da morte – acredita Chaves. – Estimulamos a percepção e a reflexão sobre como estamos lidando com a nossa existência. Como as pessoas escamoteiam e se enganam para não pensar sobre esse ponto. Afinal, vivemos como se fôssemos imortais, como se nossa passagem não fosse transitória. Acumulamos riquezas e não aproveitamos o tempo da melhor maneira possível, justamente porque não levamos em consideração que o tempo passa. A vida continua, somos nós que não prosseguimos. Só passamos uma única vez. E quando somos vitimados por uma doença grave é que percebemos isso com mais nitidez.
Chaves conta que Drauzio Varella teve participação fundamental para a elaboração da trama baseada em 11 histórias de pessoas surpreendidas pela notícia de que suas vidas podem chegar ao fim.
– Ele não participou da construção. Seu papel foi de total apoio, confiança, liberdade e autonomia – conta o diretor. – Quando apresentamos o espetáculo praticamente pronto ele ficou muito contente e deu alguns bons palpites. Estruturamos a peça ao longo dos ensaios. O livro não apresenta uma história com início, meio e fim. Organizamos, usando a narrativa original, a melhor formatação possível.
Corte de custos
Driblando a crise econômica, a perda de patrocinadores e a redução do orçamento para garantir uma programação recheada com 30 espetáculos (no ano passado foram 24 montagens), o diretor do festival, Leandro Knopfholz, destaca como ponto alto da mostra a reafirmação do evento como referência para a produção teatral brasileira, além, é claro, a qualidade das cinco montagens inéditas que farão a cabeça dos amantes das artes cênicas até o dia 29 de março. Entre elas, a adaptação do texto do dramaturgo inglês Tom Stoppard, Rock n' roll, dirigida por Felipe Vidal e Tato Consorti (28 e 29); além da única montagem internacional, Sin sangre, do chileno Alessandro Baricco (27, 28 e 29).
– Perdemos o apoio da Petrobras e reduzimos o orçamento de R$ 2,9 mi para R$ 2,4 mi. Mas não mexemos no essencial, que é a qualidade da programação. Nos orgulhamos de sermos o principal pólo irradiador de espetáculos do país.
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