ESPECIAL PARA A FOLHA
Em iniciativa inédita na área, representantes dos três níveis de governo anunciaram um plano comum de combate aos efeitos da crise sobre a cultura.
Depois da ajuda aos bancos e à indústria automobilística, o meio cultural esperava, em silêncio e com ceticismo, plano análogo.Com razão: a cultura dá trabalho, senão emprego, a mais pessoas do que a própria indústria automobilística, segundo dados do governo federal.
Ainda para essas fontes, a cultura gera 8% do PIB nacional.
Embora críticos contestem esse índice -por incluir atividades não culturais-, reconhecem que mesmo os habituais 3% ou 4% (média internacional) seriam suficientes para justificar a medida.
À margem dos argumentos humanísticos e políticos sobre o papel da cultura, hoje despidos de apelo, o reconhecimento da função econômica da área terminou por convencer os opositores do plano.
Propostas
O Decálogo Cultural da Crise, como é chamado, prevê:
1) crédito imediato de R$ 4 bilhões para a produção cultural e instituições de cultura na linha de frente do contato com o público;
2) a partir de janeiro de 2009, e por dois anos (condição para todos os tópicos seguintes), 5% para a cultura sobre os valores das obras públicas federais de todo tipo (rodovias, aeroportos etc.);
3) 2% para a cultura sobre o valor de empreendimento imobiliário de uso coletivo a cargo da iniciativa privada (prédios residenciais, de escritórios, postos de gasolina, shoppings etc.);
4) 2% do Orçamento nacional para o Ministério da Cultura e dos Orçamentos municipais e estaduais para as respectivas secretarias da Cultura;
5) desconto de 100% sobre Imposto de Renda para doações de todo tipo a instituições culturais sem fins lucrativos (até o dobro do previsto na atual Lei Rouanet, da qual ficam eliminados os atuais entraves burocráticos);
6) idem para doações visando o aprimoramento cultural dos professores da rede pública de ensino;
7) criação de um Fundo de Reserva para a Arte Pública no âmbito municipal, com recursos orçamentários e outros derivados de uma nova Tarifa Municipal de Visitante (onde for inexistente);
8) financiamento visando a desenvolver, sobretudo pela iniciativa jovem, novas ofertas culturais que atraiam turistas, com recursos dos municípios e dos ministérios das Cidades e do Turismo;
9) isenção de impostos e taxas municipais e estaduais para empreendimentos culturais, com comodato de terrenos públicos quando necessário;
10) programa especial de desenvolvimento das grandes organizações culturais não vinculadas a entidades produtivas ou financeiras.A surpreendente medida reconhece que a cultura se dá na cidade e inclui uma também incomum preocupação com o público, a educação para a cultura e os jovens.
O crédito de R$ 4 bilhões, mesmo sendo metade do concedido à industria automobilística pela União e por São Paulo, é quase duas vezes o orçamento do MinC somado aos valores gerados pela Lei Rouanet no ano de 2008. E só as obras federais, nos próximos dois anos, chegarão a R$ 45,5 bilhões, dos quais 5% irão para a cultura.
A expectativa é de que também essas disposições transitórias se tornem permanentes, desta vez sem reclamações.Apesar do receio de que os habituais cortes na execução dos orçamentos públicos anulem parte dos benefícios previstos e de que a Lei Rouanet resulte diminuída em seus efeitos, a área já fala em verdadeiro renascimento cultural.É que, além da imediata geração de renda, prevê-se a rápida melhora, via cultura, da qualidade geral de vida em tempos de crise.
Para especialistas, trata-se de medida histórica de grande repercussão nacional e internacional.
TEIXEIRA COELHO é crítico e curador do Museu de Arte de São Paulo e autor do "Dicionário Crítico de Política Cultural" (ed. Iluminuras).
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